DE PROFUNDIS

o que os homens uns aos outros trocam, se escondem
curva pouco a pouco escurecendo os ossos, até
ser uma lâmpada única, um despojo
rosas (digamos rosas): nascem sem nome:
dentro do nome florescem, se tornam
fusíveis do silêncio que morde do avesso
a pálpebra deserta, o que os homens

dividem na sombra, o espesso
coração debruçado
lanternas (digamos) oscilando no átrio, saliva
escorrendo dos olhos, até
florescer, pouco a pouco furando
a pele outra dos ossos, mancha
que deixaram no ventre
pálpebras de rosas
                   (digamos)

o que os homens uns dos outros dividem, se recusam
despojo dos olhos dentro do nome único dos olhos
pouco a pouco escondendo as lanternas, o oco
coração junto à boca mordendo
a pele outra das rosas (digamos)
quando os rios começam, nascem
sem fim: eternamente: até
as pálpebras cerradas oscilando na sombra, o que os homens

rasgam no vidro, ao avesso dos ossos
pouco a pouco escondendo o único nome
sem nome das rosas (digamos)
coração inclinado de dentro dos olhos
escurecidos de saliva,
uns aos outros conhecem, o espesso
rumor dos pelos brancos nas axilas
pálpebras, de bruços

o que os homens uns aos outros afastam, se dizem
sombra pouco a pouco ocupando na boca
o sítio dos nomes,
lugar de dedos que a ternura não
pode inclinar, o preço que os homens

medem na sombra, e (digamos) de rosas
avessas aos ossos, de dentro dos ossos,
escurecendo pouco a pouco o mundo
no instante de florir: despojo.

António Franco Alexandre, Poemas, Assírio&Alvim, Lisboa, 1996
«não pretendo escrever uma ode ao desalento, mas sim vangloriar-me tão efusivamente quanto o galo doméstico no poleiro pela manhã, apenas para a acordar os meus vizinhos.»

«dou por mim subitamente vizinho dos pássaros, não por ter aprisionado algum, mas por me ter engaiolado perto deles.»


Henry David Thoreau, Onde Vivi e Para que Vivi, Quasi Edições, 2008