Pulmonar

Nesse castelo de dentro
nenhum bafo quente mora
nenhuma ameia tem serventia

para além da tremura (prenúncio
de são remorso) da seta apontada.

Se não enjeitas o bicho caruncho
o basilar monstro alastrando
boca ao tentame

não condenes a rocha (tísica agora
mais tísica amanhã      mais tísica).


Lembra só o sopro (nem tudo
te morreu)                 lembra
só o tumulto medrando
da massa carnuda da memória.

dos barcos com remos como bocas

É nesse lugar de comida e ácidos e naufrágios
que se experimentam as exactidões dos acúleos
das fardas de marinheiro cerceadas na cintura

dos barcos

esses hábitos de fazer monges sem mais serviço
nem graça que a do cilício de não se ter rosas
por flores favoritas nem oceanos cerebrais

com remos

de andar para a frente, que os há, só de andar
para a frente, para a frente, rente sempre
ao que de esperança há nas enzimas

como bocas

dentro das bocas, dentro das bocas dos estômagos
onde se reside - hóspede ou anfitrião - sorvido
consumido nas preces de inomináveis escatologias.

Natalício

Ó grande angústia, túmulo de cânceres,
às seis horas na axila dos pássaros:
quem me abrirá a infernal porta do além,
quando soar a hora em que do sangue
verei o universo menstruando Deus?
Tudo é passado no tombar do mármore.

Poema de Nauro Machado
in Antologia de Poesia Brasileira do Século XX-Dos Modernistas à Actualidade, Selecção, introdução e notas de Jorge Henrique Bastos, Edições Antígona, 2002

No recorte lúcido das árvores

No recorte lúcido das árvores
aquelas aguarelas somos nós

saltimbancos aposentados
compondo o que sabemos:
não é muito

e é o bastante
para alguma coisa
correr mal.

(O mal corre. Mais que nós
que dos braços negamos
arbóreo o carácter.)

Daí que das tintas
nunca conhecemos
a leveza

e da nudez somos só
a silhueta plúmbea da viagem.