Cantava meu avô

Contava meu avô: desilude muito a lucidez.
Tu não és o silêncio nem conheces o silêncio
cantava meu avô. No dia em que vendi o juízo
a um mercador ambulante soube meu avô
findo cumprido nas contas de um rosário
unguento seu para juras de amor e escárnio.
Era um tempo de contar e de rasgar. Rasguei
joelhos contei formigas rasguei os sorrisos
contei cantigas de cigarras, que do silêncio
nem a noite me narrava nem ele era em mim
alguma coisa senão a avoenga melopeia.

É um tempo de contar. Calculo as horas
até ao crepúsculo - parente próximo
do que não sou e desconheço.

Na minha aritmética (onde ela é acidez)
um galo tardio diz-me: vai. Cerro a cancela.

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