as tentativas

Como um homem

Nas células tónicas das plantas
há um elemento – aquele
que faz versos – posposto
por desconhecer se de si
se há-de produzir gavinha ou raiz.

Como um homem que sai
do seu órgão muscular
agente principal
da circulação do sangue

só porque parece mal
terminar um verso em ão.

Agora


Há um martelo de enigmas,
um martelo louco batendo nos nervos,
esmagando as fibras,
há um estrondo subterrâneo que sobe para as
fontes,
mas não explode,
não explode esta cabeça vencida, caída sobre
a mesa,
sobre a toalha bordada entre o jejum e as
missas, nas terras do pai.

Há um globo de magias em desuso que não
perturba quem chega, quem se senta,
com as mãos abertas, com a faca atrás,
pelo lado das costas que lançam nas paredes
um vulto sinistro, em silêncio, à espera.

Eu sei por que veio, o que quer, o que faz aqui,
mas tu ergues os cálices,
tu olhas para ela e ofereces uma rosa e
repartes o pão,
e depois adormeces e entras no túnel que dá
para as colinas de Deus,
para os seus mortos antigos.


José Agostinho Baptista
in Agora e na Hora da nossa Morte, Assírio&Alvim, Lisboa, 1998

Cantava meu avô

Contava meu avô: desilude muito a lucidez.
Tu não és o silêncio nem conheces o silêncio
cantava meu avô. No dia em que vendi o juízo
a um mercador ambulante soube meu avô
findo cumprido nas contas de um rosário
unguento seu para juras de amor e escárnio.
Era um tempo de contar e de rasgar. Rasguei
joelhos contei formigas rasguei os sorrisos
contei cantigas de cigarras, que do silêncio
nem a noite me narrava nem ele era em mim
alguma coisa senão a avoenga melopeia.

É um tempo de contar. Calculo as horas
até ao crepúsculo - parente próximo
do que não sou e desconheço.

Na minha aritmética (onde ela é acidez)
um galo tardio diz-me: vai. Cerro a cancela.