Simão


Do fundo do coração do fundo do poço do fundo
do coração do poço do fundo do poço do coração
digo-me Simão, masculino Simão, digo-me: não
te apoquentes demasiado. O  suficiente só
para dar vazão à circularidade fátua
ao compasso das sementeiras berrando:
quem lavra constrói, Simão, masculino Simão.
Varre os dias varre os dias varre vãos
os dias de folhas a estalar nos pés gizando
feridas na seiva seca na clorofila extinta.
Eis. Eis o êxtase do diabo desejando-te troféu.
Extenua-te nessa ingratidão de seres Simão
aquilino anão, varredor de dias de vento.

Colina impossível acima atiro ao topo.
Empurro-me argola ponta de espada
a espreitar vassoura de bruxa avanço
Simão, símio Simão, ao cume. Sou olhos aí
e enxergo uma terra de cultivo estrumada
por um corpo de míngua entre vários. O meu.

4 comentários:

bruno vilar disse...

"Sou olhos aí
e enxergo uma terra de cultivo estrumada
por um corpo de míngua entre vários. O meu."

- Gostei (muito).

Adriane B. disse...

não fosse por Hilda Hilst e pelas Anas (Cristina Cesar e Jerónimo), eu diria que poesia é coisa pra homem.
"Eis. Eis o êxtase do diabo desejando-te troféu."
trabalha, Simão- masculino e nem tanto. colina impossível acima. adoro a força física deste, como você pode notar.

Serafina disse...

A qualidade dos seguidores mostra a qualidade da poetisa (e não estou a falar de mim, não).
Um poema seu que adoro, Ana.
(Mudei de nome, porque estou a mudar de pele, mas por dentro ainda sou).

Ana Jerónimo disse...

Bruno, obrigada por teres destacado essa parte. É capaz de Simão estar quase todo aí.


Adriane, que te digo? Poesia é coisa… poesia é livrarmo-nos de coisas, sobretudo. É possível que seja.
A colina impossível esboroa a coluna do homem. ( Tanto milhar de ano gasto para alcançar a verticalidade e depois é isto :-) )
Às vezes, um homem não consegue suportar a sua própria humanidade, parece-me. Arma-se o homem de toda a sua força e, no fim, a esperança não tem sequer a amabilidade de morrer primeiro que o homem. Fica o homem e uma míngua e uma vergonha, de entre elas, a de morrer antes da sua esperança.


Obrigada pela atenção, Serafina agora.
Obrigada pela atenção, que não é de agora, que se vem mantendo e que, caramba, me deixa meio encolhida. Fico grata. Lembro-me da apreciação que fez deste texto, lembro-me que foi por ele adentro e que eu fiquei bem contente com isso.




Obrigada por passarem. Abraços.