Aberração, n. Qualquer desvio de outra pessoa relativamente aos nossos hábitos de pensamento, quando ainda não se lhe pode chamar demência.

Absurdo, n. Uma afirmação ou convicção manifestamente contrária à nossa própria opinião.

Ajudar, v.t. Criar um ingrato.

Apaziguar, v. Chamar «cãozinho» a um buldogue quando este se encontra firmemente agarrado à nossa retaguarda.

Aplauso, n. O eco de um lugar-comum.

Cacarejar, v. Celebrar o nascimento de um ovo.

Culpado, n. O outro indivíduo.

Destino, n. Aquilo que autoriza os crimes do tirano e serve de desculpa para os fracassos do idiota.

Difamar, v.t. Mentir acerca de outra pessoa. Dizer a verdade acerca de outra pessoa.

Espelho, n. Uma superfície plana de vidro, na qual é encenado um espectáculo efémero para deleite das desilusões do homem.

Estrada, n. Uma faixa de terreno através da qual podemos ir de um sítio cansativo para um sítio inútil.

Feitiçaria, n. O antigo protótipo e precursor da influência política.

Imaginação, n. Um armazém de factos gerido em parceria pelo poeta e pelo mentiroso.

Incenso, n. No contexto religioso, um argumento dirigido ao nariz.

Intimidade, n. Uma relação entre dois tolos, providencialmente atraídos para a sua mútua destruição.

Qualificação, n. Ser primo do alfaiate do Presidente.

Quantidade, n. Uma boa substituta da qualidade quando se tem fome.

Raciocinar, v.t. Pesar probabilidades na balança do desejo.

Realidade, n. O sonho de um filósofo louco. Aquilo que permaneceria na copela se procedêssemos à análise de um fantasma. O núcleo de um vácuo.

Reminiscência, n. O grande luxo dos infelizes.

Sentimento, n. Um débil meio-irmão do Pensamento.

Voto, n. Instrumento e símbolo do poder que permite a um homem livre fazer figura de parvo e destruir o seu país.


Ambrose Bierce
in Dicionário do Diabo, Edições Tinta-da-China, 2006

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