«É no mais profundo do cadinho humano, aí, nesse lugar paradoxal, onde a fusão de dois seres que realmente se escolheram um ao outro restitui a tudo quanto existe as perdidas cores do tempo dos antigos sóis, nessa região onde, todavia, também impera a solidão, mercê de uma dessas fantasias da natureza que permite que, em torno das crateras do Alasca, continue a haver neve sob as cinzas, é aí, precisamente, que eu, há alguns anos atrás, pedi que se procurasse uma beleza nova, a beleza “exclusivamente encarada para fins passionais”. Confesso, sem o mínimo acanhamento, a minha profunda insensibilidade perante espectáculos da natureza e obras de arte que, à primeira vista, me não suscitem aquela emoção física, cuja sensação mais característica é a de uma pena ao vento a latejar-me nas têmporas, capaz de me provocar um verdadeiro arrepio. Não posso impedir-me de estabelecer uma relação entre essa sensação e aqueloutra suscitada pelo prazer erótico, e de entre ambas distinguir apenas uma diferença de grau. Se bem que nunca tenha conseguido esgotar, através da análise, os elementos constitutivos dessa emoção – que deve, com efeito, valer-se dos meus mais profundos recalcamentos – aquilo que dela sei assegura-me que só a sexualidade aí preside. Escusado será dizer que dados estes factos, a tal emoção muito especial a que fiz referência pode fazer a sua irrupção no momento mais imprevisto, e ser provocada por algo, ou por alguém que, de um modo geral, me não seja especialmente caro. É contudo evidente que, mesmo assim, se trata de uma emoção desse teor, e não de qualquer outra, desejando eu insistir sobre o facto de que é impossível uma pessoa enganar-se: tudo se passa, realmente, como se eu me tivesse perdido e alguém, de repente, me viesse dar notícias minhas.»

André Breton
in  O Amor Louco, Editorial Estampa, 1971

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